A “influencer” vai ao teatro

Teatro D.Maria II

A “influencer” vai ao teatro
Inês, que no YouTube é Nokas Galaxy, já não se importa de trocar os videojogos por uma peça ao vivo.

Catarina Homem Marques

A Inês tem o cabelo quase branco, mas tem o quarto cheio de bonecos. Já assistiu a vários espectáculos da Broadway e do West End, mas nunca foi a Nova Iorque ou a Londres. Até já vestiu a pele de diferentes personagens em público, com direito a caracterização esmerada, mas nunca fez teatro. Aliás, a Inês nunca tinha ido ao teatro. Pelo menos até ir ver a peça Sopro, de Tiago Rodrigues, no Teatro Nacional D. Maria II, com o PRIMEIRA VEZ.
Apesar de tudo isto parecer um bocado contraditório, explica-se facilmente – é que a Inês, que tem 14 anos, só tem o cabelo quase branco porque gosta de o pintar (também já foi azul); e vê todos os musicais que adora e sabe de cor, sobretudo o Hamilton, na Internet; e veste a pele de algumas personagens porque é uma gamer girl, adora videojogos e cultura pop japonesa, e faz cosplay para ir a festivais temáticos.
“Gosto mesmo de me vestir de personagens, apesar de dar muito trabalho. Já fiz de Monika, do jogo Doki Doki Literature Club. E outra vez fiz de Chara, de um jogo que é o Undertale.” Se pudesse, agora que já foi ao TNDMII três vezes, até se vestiria com a roupa de Frei Luís de Sousa, a peça com encenação de Miguel Loureiro que foi ver recentemente: “Reparei logo naqueles vestidos. Adorei a roupa do espectáculo, não me importava nada de a vestir.”
Quando a mãe, Graciete Silva, a desafiou para se juntarem ao PRIMEIRA VEZ e irem ao teatro juntas, Inês nunca desconfiaria que ia gostar tanto. “O que eu adoro é jogos de vídeo, os meus pais têm de me puxar do computador à força. Prefiro estar a jogar do que apanhar sol. Mas, por exemplo, agora já me apetece mais vir ao teatro do que jogar, porque sei que a peça é para aproveitar naquele momento, e o jogo está sempre lá, posso jogar mais vezes. Por acaso nem sei se as peças depois podem voltar...?”
Alinhou com a mãe, e além das duas peças que já viu com ela, também já decidiu voltar ao TNDMII com um amigo para verem a Montanha-Russa, de Inês Barahona e Miguel Fragata – “gostei de todas, mas essa foi a minha preferida até agora. Até devia ter trazido a minha mãe, para lhe dizer: vês, há mais pessoas que sentem isto, que dizem estas coisas aos pais.” Aliás, Inês ainda sabe cantarolar as músicas que ouviu nessa peça.
“Estou habituada a ver musicais, mas no telemóvel. E quando a minha mãe me falou em irmos ao teatro até pensei: se os musicais são em cima do palco, isto se calhar vai ser parecido, pode ser interessante. É que eu faço tudo na Internet. Adoro musicais ingleses e americanos. Mas como não vou a Londres ou Nova Iorque, a menos que os meus pais pensem nisso... please... Londres é mais barato, mas acho que já perdi a tour date do Hamilton... eu às vezes falo assim em inglês a meio das frases, desculpa.”
Também foi no computador, incluindo a ver musicais e a jogar Pokemon, que Inês aprendeu a falar inglês. Diz que foi usando a lógica: entendia a palavra dentro de uma frase, depois entendia a frase e depois usava as palavras dessa frase para entender outras frases e mais palavras. Aliás, para ela é mais do que natural procurar soluções no YouTube, como fez para ver os espectáculos que preferia ter visto em Londres. “Apesar de ser ilegal, claro. Acredito que a experiência seria diferente se pudesse estar lá, como acontece no teatro. Percebo isso ainda melhor agora. Se visse estas peças de teatro no telemóvel não ia ser a mesma coisa. Um vídeo no YouTube vai ser sempre igual, mas isto ao vivo é sempre diferente.”
Aliás, além de ser Inês Silva, ela é também Nokas Galaxy, que é o nome do seu canal de YouTube, onde já tem cerca de 7300 subscritores e o vídeo mais popular já chegou às 29 mil visualizações. “Fui influenciada a criar um canal de YouTube e a criar os meus conteúdos por outras pessoas que eu seguia desde criança. Aos oito anos, chegava a pegar no meu Magalhães, que era o computador na altura, ligava a câmara, que tinha uma qualidade horrível, e filmava a minha cara, eu e os meus colegas a dançar, já fazia as minhas coisas. Nem sabia editar, claro, mas experimentava.”
Agora já sabe editar, já tem um computador melhor, um telemóvel à altura da sua vida de youtuber, além de outras melhorias técnicas que os pais foram patrocinando, “com a condição de eu manter o equilíbrio com a escola, mas eu tenho sempre positivas”. E já aconteceu muita coisa desde o dia em que um amigo lhe mostrou youtubers na Nintendo pela primeira vez e ela pensou, talvez não exactamente nestes termos, “oh my god, adoro isto”. A participação no concurso de talentos online Yorntubers fez aumentar bastante a sua fan base, que até aí era mais expressiva no Instagram. E, segundo Inês, também lhe aumentou as responsabilidades.
“Quando se é influencer, tem de se ter muito cuidado sobre o que influenciamos as pessoas a fazer. Há pessoas que fazem isso bem, são influencers bons, e dizem, por exemplo, para comermos coisas saudáveis, mas há outros que têm muitos seguidores e só se põem a fumar. Eu nem tenho esse dilema, nem sequer fumo, não faço nada de errado... ainda. Mas eventualmente acho que ainda vou fazer as minhas asneiras”, brinca, enquanto lança um sorriso à mãe.
Agora, e apesar de adorar ir ao teatro e querer continuar, isso não significa que vá falar sobre isso no YouTube. “A minha mãe às vezes diz-me: se vais aqui ou ali, podias fazer um vídeo. Mas ela não entende o meu público.” A Nokas dedica-se sobretudo aos vídeos de gaming, uma coisa que poucas mulheres em Portugal fazem – “e as que fazem não se preocupam muito com o jogo, preocupam-se mais em ficar bonitas na câmara.”
Também gosta de BD, de anime e manga, às vezes faz Q&A, e até já fez alguns vídeos a cantar. E apesar dos vídeos, dos jogos, de gostar muito de desenhar, de pôr a hipótese de estudar comunicação ou cinema, e de estar a começar a sentir uma atracção pelo teatro, é mesmo da música que gosta mais. Até aprendeu – mais uma vez via Internet – a tocar piano sozinha. “Sem música não conseguia ser igual ao que sou, a música define muita coisa. Acordo de manhã e a primeira coisa de que preciso é ouvir uma música.”

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