Teatro D.Maria II
De irmã para irmã
Na juventude, Sónia e Sofia uniram-se pelo teatro. Agora, chegou a altura de voltar.
Catarina Homem Marques
Há muitos anos, quando ia estrear no palco do Teatro Nacional D. Maria II o clássico “Um Eléctrico Chamado Desejo”, numa encenação com a actriz Henriette Morineau, uma adolescente destemida apareceu para fazer o casting apesar de o irmão de criação, que sempre era um pouco mais velho, se ter recusado a fazer-lhe companhia.
“De acordo com o que ela de vez em quando nos conta, ainda veio cá duas ou três vezes, e estava sempre presente a Amélia Rey Colaço e tudo”, lembra Sofia Tavares, de 45 anos, a rir. Está a falar da mãe, num tempo em que nem ela própria nem a irmã mais velha, Sónia, 49, que ri solidária do outro lado da mesa, faziam sequer parte dos planos.
“Ela pelos vistos também gostava de teatro. Não foi aceite alegadamente porque não tinha estilo para ser prostituta. Agora está com 78 anos, não sei há quanto tempo não virá aqui. Acho que as pretensões teatrais dela morreram logo ali”, brinca, enquanto olha em volta para o edifício do teatro onde afinal até se esconde uma história de família.
Quando decidiu ir pela primeira vez, e com o PRIMEIRA VEZ, ver uma peça no TNDMII, aceitando o desafio de uma amiga, Sofia nem sequer se lembrou disso. “Às vezes deixamos passar demasiado tempo… mas a minha amiga sabia que eu tinha gostado muito de um projecto teatral em que tinha participado há muitos anos, associado à Câmara Municipal de Lisboa, e eu depois acabei por desafiar a minha irmã, que também tinha estado nesse projecto comigo.”
Foi assim que Sofia e Sónia desenharam este plano para voltarem ao teatro, juntas, recuperando a paixão que as unira no tempo do “Contigo Vais Longe”, que ocupou as juntas de freguesia de Lisboa durante o mandato de Jorge Sampaio, o tal projecto teatral integrado numa acção pensada para a prevenção da toxicodependência onde ambas acabaram por ser coordenadoras e integrar um grupo de teatro. “Na verdade, esta ligação à cultura foi-nos acontecendo por acaso. Dedicávamo-nos muito mais ao desporto, aliás, toda a família era assim”, acrescenta ainda Sofia.
Quando eram crianças, depois de curtas temporadas em Luanda (para o serviço militar do pai), no Barreiro e na Guiné, para onde o avô enfermeiro tinha sido destacado apesar de a família ser originária de Cabo Verde, as irmãs cresceram sempre em Lisboa, perto do trabalho da mãe, na CERCI de Chelas. “Eu comecei a jogar basquete logo aos dez anos. Fui sempre federada e jogava em regime de competição. Só deixei por causa de uma lesão que tive aos 16 anos”, conta Sónia.
A lesão mudou-lhe os planos. “Fiquei tão triste por ter de parar de jogar que também parei de ver jogos. Só voltei a ver basquete uns 20 anos depois disso acontecer.” Enquanto isso, Sofia praticava natação e basquete, e embora não levasse tão a sério a possibilidade de competição queria mesmo estudar desporto. A vida acabou por trocar as voltas a ambas – Sónia foi para uma licenciatura em Física, aproveitando o gosto pela matemática, até perceber que preferia trabalhar “em alguma coisa para as pessoas”, mudando então para um curso de Administração Regional e Autárquica “em prol de uma ideia de serviço público”; e Sofia, depois de não ter entrado à primeira na licenciatura de desporto que queria, passou um tempo a fazer um curso patrocinado na altura pela CEE, de Auxiliares de Vida, que fez com que se apaixonasse por Fisioterapia e alterasse a matrícula para a faculdade no ano seguinte.
Hoje, gostam as duas do que fazem. Sofia é fisioterapeuta no Carregado e Sónia está a trabalhar na Câmara Municipal da Moita, na área da cultura. “Acabo por conseguir fazer alguma coisa pela sociedade, nem que seja através da programação cultural. Estive durante muito tempo a fazer programação para bebés, e foi uma das coisas mais gratificantes que fiz até hoje no meu percurso profissional.”
O PRIMEIRA VEZ acabou por surgir na vida de ambas como uma forma de “dar um passo atrás para ver melhor as coisas”, como diz Sónia, ou como “uma possibilidade para retomar uma rotina que me faz falta”, acrescenta Sofia. Afastaram-se das peças depois de uma juventude que as levou a passar muito tempo em teatros, como o Taborda ou a Comuna, e em que trabalharam como produtoras, actrizes, motivadoras. Sónia um pouco por opção, por precisar de tempo para voltar a desfrutar de espectáculos sem ser como actividade profissional, e por ter passado por um processo de questionamento sobre a melhor forma de chegar às pessoas através da cultura, e Sofia por falta de tempo.
Agora já nem se lembram há quanto tempo não se juntavam para irem as duas simplesmente ver uma peça de teatro, como irmãs, como amigas, em lazer. E não querem que isso volte a acontecer. Da próxima vez que as encontrarmos numa sessão do PRIMEIRA VEZ, e elas vão certamente voltar, até é provável que passem a ser três – “temos de desafiar a nossa mãe a vir connosco, a voltar a este teatro, acho que seria muito bonito”, comenta Sofia. Quando isso acontecer, poderão actualizar a foto de família, todas com um sorriso na cara.